tanka para ono sensei
um senhor idoso
apoiado em sua bengala
adentra o dojô
vagarosamente nô
tatame um kami se move
A voz do povo
Não é a voz de Deus
A voz do povo
No nosso sistema
Infelizmente
É a voz do patrão
Que se impõe
À força da mesma
Maneira como um
Senhor de escravos
E há explorados
Que se apaixonam
Pelo patrão
E o sonho do oprimido
É tornar-se o opressor
E Dante e Safo sempre serão
Muito mais preciosos do que
A Praça é Nossa
E muitos grandes intelectuais
Psicanalistas e mestres zen
São apenas grandes idiotas
Charlatões ou malandros
O aquecimento global existe
A pandemia aconteceu
A vida não possui propósito
Muito menos sentido
E apesar de tudo
É a vida é bonita
E é bonita
ave, cioran
Todos (medíocres e igualmente feitos de carne) acham que podem salvar o outro. Com amor, moral, sabedoria, etc. Todos, se acham, de alguma forma, superiores. Mais. Mais esclarecidos, mais inteligentes, mais amados, mais capazes de amar, mais bondosos, mais humildes, mais fodidos... Mais lidos. Mais. Melhores do que o outro. Eis a raíz, maior, de todo mal. Do mal mais profundo.
Música Estranha
Não sabem
Quem lobo quem
É ovelha quem são
De onde para
Que?
É só tacar
Jesus
Pobre
Coitada
Em tudo
O outro
Que outro?
Não existe
E as ovelhas
Elegem
Os lobos
A banca
Da do boi
Da bíblia
Da bala
O matadouro
O açougue
Sempre
Sai
Ganhando
E dá-lhe
Queimada
E tolos
Os touros
O ouro
Contra
O vermelho
Sanguíneo
E Todo
Mundo
Está
Feliz
Aqui
Na terra
Todo
Mundo
Odeia
O Chris
Enri
quecem
O branco
Ideal
Alpha
Pompa
Livre
Assassino
Não só
De índios
Genocidas
Governam
É o pai
E gozam
O país
Round 1: Cioran
Não leio Cioran procurando verdades. Me diverte. Seu pessimismo é espirituoso. Causa alguma catarse. Contraditoriamente (pois se trata de alguém que escreve sobre as possíveis vantagens do inanimado), cheio de vida. Compreendeu muito melhor a tradição oriental (pela qual demonstrou bastante interesse) do que seus antecessores, Schopenhauer e Nietzsche. Muito por questões de tempo, geração. Perceptível em seus escritos que foi afetado pela moda do zen na Europa, na passagem para segunda metade do século XX (que mais girou em torno do Rinzai, praticamente ignorando Dogen e a Soto). Hoje, o zen, e parte do melhor do budismo voltaram a ser ignorados pelos intelectuais ocidentais ou são novamente completamente mal compreendidos, retornando, assim, às prateleiras do orientalismo vulgar.
Notável a atitude, por exemplo, de psicanalistas famosos, hoje em dia, que possuem a total falta de vergonha de falar e escrever sobre conceitos que claramente não compreendem.
Já há muito tempo existe a consciência de que foi necessário formular uma psicanálise nova, que, por exemplo, obviamente não utiliza mitos de origem greco-romana, para lidar com povos de outras tradições, outras construções imaginárias. Só no Japão, Heisaku Kosawa com seus estudos vinha discutindo estes aspectos mais ou menos desde a década de 20 do século passado.
Mas, como se sabe bem, a autoestima e a completa estupidez da pessoa branca de classe média é abissal. Vivem com seus óculos em formato de umbigo. Falam e escrevem asneiras preconceituosas e julgam a todos porque se entendem como os possuidores da verdade, sobre tudo e sobre todos os povos.
Vi uns tempos atrás uma completa idiotice sobre "o sexo transcender o nirvana", da parte de pessoa famosa e psicanalista (famosa inclusive por cobrar os olhos da cara por consultas). Como se fosse possível uma competição entre os dois termos. Como se fosse possível simplesmente pegar toda e qualquer tradição e colocar no mesmo lugar onde Freud colocou o monoteísmo judaico-cristão.
Nunca tive muita simpatia por Jung, mas este teve alguma noção da complexidade do assunto, quando se tratava do pensamento oriental, e era, de fato, muitíssimo mais culto do que Freud. Diferente dos contemporâneos de agora, sem vergonha de serem preconceituosos e ridículos.
Mas sucesso é medido, nos círculos dos psis, pelas conquistas materiais, financeiras, números de publicações, e não pelo cuidado com a elaboração de seus textos. Psi bom é psi YouTuber, nos dias de hoje. E podem falar qualquer asneira, a maior parte de seus seguidores e alunos nem vão perceber nada.
Mas voltando ao Cioran, que é o que de fato me interessa mais. Há passagens maravilhosas. Não vejo como não gostar dum sujeito que escreve sobre simplesmente deixar o satori de lado para seguir com seu passeio. Não demonstra uma ignorância ridícula e preconceituosa como no caso da pessoa que num gesto imbecil declara que o sexo transcende o nirvana. Como se o nirvana fosse (pasmem!) algum tipo de sensação especial. Como se o nirvana fosse algum tipo de... paraíso? Como se o nirvana fosse algo realmente a ser alcançado. Algum estado especial de êxtase que competisse com o orgasmo.
Fora exibir que nunca foi pesquisar sobre as palavras que utiliza, (mas talvez só se basear no que escuta de analisandos financeiramente privilegiados que consomem o pior do kitsch?) a pessoa nem parece saber que no oriente se desenvolveram inúmeras tradições (como o tantra e certas práticas taoistas chinesas e japonesas) que usam o sexo como forma meditativa, e que o estalinho mixuruca que o ocidental conhece como resultado de um coito nem se compara às profundas experiências de investigação sensorial dessas práticas. Em muitos sentidos (e Jung, novamente, parecia desconfiar disso em seu tempo) os pesquisadores ocidentais ainda engatinham onde não conseguem enxergar uma antiguíssima linha de pesquisa, cegos por suas epistemologias e preconceitos.
Cioran parece talvez ter atingido a enorme decepção com o mundo que é necessária (a grande desilusão, o que os antigos chamavam de "a mente que busca o caminho") para adentrar as vias do zen. Ou simplesmente utiliza a ironia de maneira formidável. Porque contrariando o budismo de boutique e monges influencers digitais idiotas, um verdadeiro budista é alguém completamente desiludido deste mundo das formas, transientes, impermanentes. Não que obrigatoriamente a pessoa vá abandonar tudo, raspar a cabeça e se encerrar num monastério (e há vários exemplos de grandes praticantes leigos na literatura desde os tempos do fundador), você pode permanecer na sociedade e aproveitar de tudo que ela oferece (no ocidente só são populares as tradições Brahmacharyas, que negam a sensualidade, no entanto existem outras, opostas) mas internamente há uma profunda constatação de que nada, absolutamente, no mundo, conduz ao fim da insatisfatoriedade - a tradução mais precisa para "dukkha", pois Shakyamuni nunca falou a palavra "sofrimento".
No entanto, num ato de honestidade e consciência, consciência talvez de que pertence a uma outra formação, Cioran prefere seguir seu passeio. Cioran é muito mais budista (inclusive escolhendo não seguir os ensinos do Buda), do que certos mestres contemporâneos em seus trajes esvoaçantes, no ocidente do século XXI, num calor de 40 graus.
A passagem é a seguinte:
"Enquanto passeava a uma hora tardia naquela alameda ladeada de árvores, uma castanha caiu aos meus pés. O barulho que ela fez ao rebentar, o eco que suscitou em mim, e um abalo desproporcionado trazido por aquele incidente ínfimo, mergulharam-me no milagre, na embriaguez do definitivo, como se já não houvesse mais perguntas, apenas respostas. Estava bêbado de mil evidências inesperadas, das quais não sabia o que fazer...
Foi assim que estive quase a atingir o sublime. Mas achei preferível continuar o meu passeio."
(cioran, do "de l'inconvénient d'être né", trad.: manuel de freitas)
“AVEC ARDEUR”
Dear Ezra, who knows what cadence is.
I’ve been thinking–mean, cogitating:
Make a fuss
and be tedious.
I’m annoyed?
Yes; am. I avoid
“adore”
and “bore”;
am, I
say, by
the word
(bore) bored.
I refuse
to use
“divine”
to mean
something
pleasing:
“terrific color”
for some horror.
Though flat
myself, I’d say that
“Atlas”
(pressed glass)
looks best
embossed.
I refuse
to use
“enchant”
“dement”;
even “fright-
ful plight”
(however justified)
or “frivol-
ous fool”
(however suitable).
I’ve escaped?
am still trapped
by these
word diseases.
No pauses,
the phrases
lack lyric
force;
sound caprick-like
Attic Afric
Alcaic
or freak
calico Greek.
(Not verse
of course)
I’m sure of this:
Nothing mundane is divine;
Nothing divine is mundane.
(marianne moore)
"gloria in excelsis deo
d) -
los poêtas chatôboys de todas as dentições chafurdantescos clinch-ês flutuam bonés com hélices como coroas nas pêrnas gançornetes dos sar ais! aimêusar ais! dos quais sempre me escondi como nãovimdalgo chatosbois dos bééérsinhus sinhôzinhus liberals vãnessas canários e mercados de letralamento racial desafiarvão a impermanência pedanclarar é cringe shakyamuni imunes estão às ardências gardêniais às mais sofisticadas tradições pois futurinstagrams com tubos sem culhões com talpinhas nas contas muitus cultos culzões fedifilhinhos fimdelhos de pãpãis criançoitas de camisa polo sapatos-professores de coiro premiumalados pêlos atrasus & vernisagens avec petit gateou pediugastô mané babôvo ané babovovô-voyeur transdormiu rimbaud jazbutil ganhô róisnou: humilhô! oh céus oh vérsius da poesia marketing
os pares aplaudem
amãeteraço
"I have nothing to say,
I am saying it,
and that is poetry
as I need it"
(John Cage)
Música:"Colisões"* (marcos t.)
H. Morioka foi a primeira pessoa que me ensinou formalmente o zazen. Não a via há muitos anos. A monja de cabeça raspada que aparece no vídeo curioso (abaixo deste texto) com a visita da, à época, princesa Mako ao Museu Histórico da Imigração japonesa, no PR. Ela também é praticante de Tai Chi, Chanoyu e Ikebana, professora aposentada (de educação física, se não me falha a memória) da Universidade Estadual de Londrina (onde fiz meu curso de Letras Modernas). A chamo carinhosamente de "mãe de Dharma". Lembro dela ainda com cabelos na altura dos ombros, sentada com naturalidade na posição do lótus inteiro (kekka fuza, 結跏趺坐), sempre afável e educada.
Antes, durante a adolescência, conhecia do zen apenas poemas de Bashô, Issa, Paulo Leminski. E aquilo que falavam alguns amigos mais velhos sobre o tema. Lembro de um especialmente que estava se formando em jornalismo. De temperamento greimasiano, leitor de Roland Barthes e dos estruturalistas franceses, falava com admiração sobre o zen. O que me fez desenvolver respeito e interesse. Até então, qualquer matéria ligada ao "budismo", era apenas mais religião. "Coisa de batchan". Algo pelo qual não nutria muito interesse (muito embora tenha memórias de curiosidade pelas imagens de arte antiga que se encontrava em enciclopédias empoeiradas, desde a primeira infância - algo do período gandhara, estátuas mantendo mudrás e ásanas, velhas representações indianas, iconografias).
Lembro, desde criança, de experiências cômicas ligadas a visitas aos "oterás", os templos budistas que no Brasil são quase que apenas frequentados por pessoas mais velhas, imigrantes e descendentes de imigrantes japoneses. Não é incomum que quase todos só falem japonês nas reuniões e que o responsável seja um missionário estrangeiro. Lembro de cenas como meus tios roncando e eu e meus primos nos segurando para não explodirmos em risadas, ao escutarmos o sacerdote entoando sutras de modo, para nossa percepção, algo exagerado.
O zen me interessou por causa da literatura, por não eliminar a verificação dos fatos e a lógica (os sutras dizem: teste por si mesmo, não confie em nenhuma autoridade, teste um ensinamento como quem verifica o ouro no fogo), embora reconheça um limite para o papel da racionalidade como fator único, absoluto, para a apreensão da realidade. "
O que convencionamos chamar de "pensamento oriental", também a educação dentro das artes marciais japonesas tradicionais, atribui AO CORPO um papel fundamental. Corpo e mente são interdependentes.
"Corpo-mente".
Não espanta que, hoje, alguns estudiosos reconheçam no budismo vindo da Índia influências não só para o campo da filosofia grega antiga, mas também para o método científico moderno, para as matemáticas e as ciências do comportamento e da mente contemporâneas. Assim segue, conforme vai sendo alterado o paradigma da Grécia como berço oficial da ideia de "filosofia", do "verdadeiro pensamento racional e investigativo". Havia pensamento no oriente antigo, assim como em países africanos em tempos ainda mais remotos, em tribos indígenas ancestrais, altamente desenvolvido, apenas foi propositadamente deslegitimado, estrategicamente apagado pelos invasores. Enfim, algo dos debates atuais das ideias.
Não pratico o zen como religião. Embora possa ser compreendido também de tal maneira. Não acredito em reencarnação. Não acredito em renascimento (que é diferente de reencarnação). Nunca tive alguma percepção muito especial sobre os temas, poderia dizer. Também não deixo de dormir à noite tentando refutar conceitos tão antigos, anteriores à civilização e pensamento ocidentais. O mesmo para conceitos complexos como "karma", que pode ser compreendido, de forma básica, como a boa e velha dupla "causa e efeito".
Quanto à prática, um cristão, caso queira, pode se tornar um melhor cristão. Um melhor mulçumano, da mesma maneira, etc, através do zen. Ou alguém pode se tornar um melhor ateu. Ou mesmo todos podem permanecer como preferirem, podem permanecer em suas tradições sem se preocupar com nada disso. Simplesmente porque não há proselitismo nessa arte antiga (ou: não deveria haver). Os melhores praticantes que pude conhecer sempre optam por serem discretos. Icônica a passagem de Shakyamuni - algo talvez um pouco engraçado que nos faz refletir - depois da experiência do satori, ponderando que as pessoas, de modo geral, não vão se interessar pelo seu ensino. O Buda histórico teria considerado adentrar o Nirvana em silêncio. O grande caminho para a paz mental não parece muito interessante ou fácil de ser atingido. Paraísos celestes, vida eterna e incapacidade de desenvolver desapego, por exemplo, surgem como opções melhores para a maioria das pessoas. Não mudou muito, quanto a esses aspectos, de dois mil e seiscentos anos para cá. Enfim, quanto aos professores, nunca conheci um que me pareceu realmente digno de nota que fosse famoso, youtuber, ganhasse muito dinheiro fazendo palestras, coisas do tipo.
Compreendo o zen, o budismo e as antigas técnicas de meditação do oriente como conjuntos de técnicas que formam uma milenar "ciência" da mente. E estudiosos modernos do campo das pesquisas neurológicas, da psicologia e da psiquiatria parecem concordar. Tanto que há modas, hoje, no ocidente, ligadas ao "mindfulness", por exemplo. Dentre outros fenômenos que, não raro, visam transformar em mercado tudo que ainda couber na prateleira do "exótico".
Frequentei por uns sete anos o zazenkai (encontro para prática de zazen), no Busshinji do Paraná.
Todas as semanas chegava, arrumava a sala de meditação (zendô), varria o chão, fazia o zazen, e no final tomávamos chá e conversávamos.
Quase nunca se discutia sobre teoria budista. "Quem fala, não sabe", segundo o Tao. Foco maior sempre na prática. O treino no zen é sem palavras. Deriva do convívio direto com seus professores. E cada um, dentro do possível, acaba por encontrar e permanecer com aqueles professores com quem sente mais afinidades.
Não existe uma centralização hierárquica definitiva, absoluta. Quero dizer, posso discordar completamente da metodologia (e da realização) de mestres de outras linhagens dentro da soto e ao mesmo tempo conviver com todos respeitosamente dentro da comunidade de praticantes. E, fato óbvio, só posso falar do zen que recebi, quer dizer: apenas posso falar e recomendar aqueles professores com quem convivi diretamente. Talvez setenta por cento de tudo que chamam de "zen", "budismo", "três veículos", hoje em dia, simplesmente não me interessa. Fora a grande fatia do que é enganação e pode ser pernicioso. Nunca cansaria de alertar possíveis interessados por meditação (e artes marciais tradicionais) que é difícil encontrar bons professores, ainda mais ultimamente, que quase todos se dizem "monges", "mestres". A melhor atitude é ser sempre bastante desconfiado e procurar pesquisar minuciosamente a linhagem de professores do professor que por ventura você possa vir a escolher (fato que rememoro: era particularmente tão desconfiado ao ponto de exalar mesmo tal insegurança. Numa bela ocasião, Saikawa Roshi, depois de quase um semana num retiro, fazendo vários dokusans, possivelmente sentindo o cheiro disso, simplesmente sentou quase um dia inteiro no zazendô - das 4 da manhã até quase nove da noite - sem se levantar do zafu (almofada). Um senhor (à época) na faixa dos sessenta anos. Handa-san, seu assistente, virou para mim e sussurrou, brincalhão: "ele está dormindo". Bom, depois de testemunhar algo assim, passou a ser inegável que alguma técnica séria estava envolvida nisso tudo. Algo não diferente de alunos de artes marciais que em alguma ocasião especial testemunham um golpe, um movimento impressionantemente refinado, ou um pintor, um calígrafo que traça algo com enorme naturalidade e beleza, algo que muito mais do que um longo discurso, demonstra, de forma direta, a seriedade da técnica.
No Busshinji do Paraná, à época em que Morioka-san ainda não havia recebido a ordenação monástica, recebi a investidura leiga (registro de transmissão da linhagem de professores) do abade J. Kurosawa (hoje residente em Shizuoka).
Paralelamente, por uns cinco anos, também frequentei outro zazenkai dirigido por E. Fujiwara. Menos formal, ligado aos alunos do monge Ryotan Tokuda Igarashi. Tokuda-sensei estudou com renomados professores do século vinte, como Sogen Asahina e Kodo Sawaki. Ele teve/tem uma importância fundamental, indiscutível e inapagável, para a transmissão do zen no Brasil, embora, hoje, não seja uma pessoa tão conhecida fora do pequeno círculo do zen nacional. Não o conheci pessoalmente (há anos está morando na França), mas estudei e estive em várias ocasiões com alguns de seu alunos, por isso também o considero um de meus professores.
Realizava os meus dokusans durante os Sesshins (retiros) com Saikawa Roshi, que foi sacerdote theravada por um tempo antes de ir para a escola Soto. Ele trabalhou junto de monges como Maezumi Roshi, ligado à tradição de Harada Roshi e Yasutani Roshi (fundadores da Sanbô Kyodan - uma vertente bastante crítica ao fenômeno da profissionalização dos monges no mundo contemporâneo). Desse contato, suponho, resultou algo de sua técnica que se assemelhava a koans. Diferente do que pensa o senso comum, por vezes da mesma maneira a academia e seus intelectuais que na verdade, no geral, só sabem do "budismo oriental" aquilo que leram de filósofos ocidentais como Schopenhauer e Nietzsche (que absorveram o que puderam em suas épocas através de, não raro, traduções bastante duvidosas), koans também são usados no treino da Soto e não apenas no Rinzai.
Tudo varia e depende, no zen, da linhagem e do seu professor. Ou professores - não precisa haver uma filiação absoluta a um apenas, tanto que peregrinações para treinar com outros roshis sempre foram bastante comuns, inclusive na literatura clássica.
Segui a prática, portanto, depois de minha primeira Universidade, frequentando o Busshinji de SP, fazendo retiros periódicos e dokusans.
Não encontro a Sangha desde o início da pandemia. Algo que, espero, se modifique agora que estamos numa situação mais segura. Também porque não resido em São Paulo. Embora parte de minha família seja da capital e vá para lá com alguma frequência todos os anos desde criança.
Tive uma sorte enorme e imerecida, durante meu caminho no zen. Alguns dos monges e praticantes que conheci não só me ajudaram espiritualmente, mas algumas vezes, até mesmo materialmente, doando samuês (vestimentas formais) e/ou financiando custos para permanência em retiros. Sempre serei imensamente agradecido pelos bons encontros que ocorreram.
Hoje, depois de ter metade de minha vida dedicada ao zazen, não sei como é viver sem o dharma. Acho curioso pensar a respeito, pois passa a ser algo que te acompanha em todas as atividades do cotidiano. Sigo dizendo que não conheço nada no campo do pensamento e práticas ocidentais como a experiência do zen. Embora trate de algo que esteja também, indubitavelmente, presente no campo das artes, da música e da curiosidade humana de modo geral.
Poucas coisas são tão comuns e nos irmanam a todos como o mistério, a insatisfatoriedade e as grandes questões sobre vida/morte (sei que existem tradições meditativas e outros exemplos no ocidente, mas não tenho muito conhecimento sobre tais tradições).
Michel Foucault, grande filósofo francês, de pensamento representativo da sensibilidade da contemporaneidade, segundo consta, esteve alguns dias junto de alguns monges, convivendo e partilhando de seu dia a dia e fez declarações sobre a sensação de originalidade de sua experiência: pode ficar aqui como uma dica de pesquisa muitíssimo mais interessante sobre o assunto.
vales cerrados
em meio ao alegre carnaval
entoam dharma
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É uma convenção antiga, uma atitude ética, que qualquer um que fale sobre zen ou conceitos relativos à prática aponte suas fontes e professores. Não é possível treinar o zen por conta própria, sozinho. O contato direto, durante anos, com professores é imprescindível. E a sangha sempre tem um papel fundamental.
Gasshô.
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*composição nossa - variados timbres de cello (instrumentos de samples e modelagem sonora), silêncios & pandeiro; estará disponível em áudio de alta qualidade em disco ainda a ser lançado