A ideia de uma arte que deve ser feita de uma maneira compreensível para o povo tem limitações muito evidentes. Não passa de uma forma de paternalismo e dominação. Uma forma de doutrinação e reducionismo.
A ideia ingênua de que "o povo sabe o que é bom" é limitadíssima e serve muito bem justamente ao opressor.
Qual povo? De qual tempo? De qual época?
Ainda mais num tempo como o nosso, em que a ideologia do mercado é dominante. Serve como uma luva ao próprio sistema que busca controle, previsibilidade. Qualquer suposto defensor da classe trabalhadora com essa ideia está na verdade fornecendo grande contribuição à estrutura que supõe combater.
Fora denunciar uma incompreensão estética notável. Por exemplo, a dissonância, aquilo que chamamos de dissonância em música, só é estranha e evitada no Ocidente. No Oriente os povos dançam completamente felizes embalados por composições microtonais há milênios. Schoenberg não causaria o mesmo impacto no Japão do Gagaku (dentre tantos outros exemplos) ou na Índia antiga com o seu Raga.
O que dizer então da música africana? Rítmica e ríquissima como nenhuma outra. Pode simplesmente deixar a melodia de lado. Algo que um Edgard Varèse sabia muito bem. A música africana ancestral está séculos à frente.
A escala cromática só é regra para os tiozões de peruca da côrte, branquelos e balofos, do Ocidente.
Lembro de debater isso com meus amigos quando tínhamos quinze anos, e estávamos montando nossas primeiras bandas de noise, começando a conhecer artistas como o Sonic Youth, Merzbow (para a grande decepção de nossas namoradas que esperavam belas baladas melodiosas). Me parece que sempre fui avesso a essa ideia primária da arte apenas pela função agregadora. Embora não refute completamente esse potencial.
Já toquei em bandas de bar com repertório pop. Já tive a experiência de ter um monte de gente vibrando e gritando, deslumbrados pelo som que se está produzindo. Já toquei na noite. Já recebi convites para todo tipo de projeto. Enjoei. A mim, soa falso, mentiroso, não fazer o que realmente me dá barato. Parece um trabalho (e para isso, sou monstruosamente preguiçoso: odeio trabalhar).
Freud declaradamente não gostava de música. Tinha uma boa consciência de suas propriedades encantatórias.
Faço esforço zero para agradar os outros. Sou filho único de três mães e zen-budista. Poucas coisas amo mais neste mundo do que a minha solitude.
Reconheço o que pode ter de vantajoso, admiro muitos artistas que pensam completamente diferente, simplesmente não é a minha praia. 
Toda ideia de pretender impor limitações à criação (artística) não passa de totalitarismo em sua forma mais rígida e violenta. 
“Toda arte que se submete a uma função, mesmo a mais progressista, trai a sua verdade" (Adorno, "Ästhetische Theorie").
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