mais sobre obviedades (ou o que deveria ser) -
arte NÃO é esporte nem nunca será.
até poucas décadas, enquanto ainda reverberava mais a contribuição do punk rock, músicos evitavam excesso de técnica para se manterem fiéis a aspectos como atitude, visão crítica, etc. característas tão ou mais importantes do que saber formar acordes com precisão ou saber dedilhar perfeitamente um violão. lembro dum projeto dos mais interessantes que já pude conferir de artistas japoneses que montaram uma banda sendo que nenhum deles jamais havia adquirido qualquer conhecimento formal a respeito de seus instrumentos. intuição quase pura, algo realmente inovador. kurt cobain dizia que evitava estudar música para sempre poder dar mais ênfase ao feeling, à sinceridade da crueza punk.
o rock and roll de maneira geral foi a grande oposição da música popular à concepção da música erudita. "roll over beethoven", diria o grande chuck berry.
curioso como, por exemplo, artistas como jeff buckley nos anos noventa foram eclipsados, pois, tecnicamente, ele foi o melhor músico e o melhor cantor de sua geração.
a ideia de que obrigatoriamente se deve ser o melhor em nível técnico é velha e completamente fascista. só em tempos como estes em que vivemos atualmente, de ascensão do pior do pior do nazifascimo (que, aliás, em muitos sentidos, é uma teoria estética), em todo mundo, se poderia cogitar um atraso desses. as grandes contribuições da arte moderna e das vanguardas, que foram alvos dos nazistas nos tempos da segunda guerra, tendem a ser apagadas. trata-se de mais um dos atestados de que o capitalismo triunfa totalmente. de que nada que realmente contenha uma alma mereça existir, pois o ter vale sempre mais do que o ser para o sistema.
existem razões políticas muitíssimo claras para que certos artistas jamais tenham seu trabalho amplamente divulgado. só pode triunfar quem não oferece qualquer perigo ou que seja um completo imbecil. uma das propagandas mais fundamentais da mentalidade reacionária é fazer crer que devemos ignorar a política. embora absolutamente tudo na vida do ser humano envolva a política, mesmo que os cidadãos, sobretudo os mais abastados, mais tranquilamente possam ignorar tudo isso.
sempre achei que tais compreensões fossem óbvias. definitivamente não são. estamos atravessando um período conturbado e muito obscuro. e uma das armas principais do sistema é manter todo mundo acreditando que está tudo bem. que sigam sendo um bando de egoístas, individualistas. que se preocupem apenas com a subsistência, com o mais básico do básico, como qualquer animal que só se preocupa com alimentação e algum conforto, jamais com refletir e criar beleza artística. beleza para além do óbvio e do tempo. qualquer animal sabe acumular para ter seu sustento, qualquer animal pode dominar o conceito de "lucro". apenas o ser humano pode ir além da mediocridade do mero material. tudo deveria ser muito óbvio, mas padeço desse defeito grave de ter demorado demais para perceber o que estava acontecendo. estamos em tempos em que as pessoas voltaram a discutir se a terra é plana e se arte é esporte, duas idiotices que se equivalem.
a concepção de que sempre caminhamos para frente num eterno movimento de evolução da ciência e dos costumes é a mais pura balela. vivemos uma época de imenso e considerável atraso.
arte NÃO é esporte nem nunca será.
e ideais de "pureza", "limpeza" ou "perfeita perfeição" são papo pra boi dormir. não raro geradores de concepções higienistas, tais como as de um certo alemão, pintor clássico frustrado, que se envolveu com o poder e passou a ser chamado de "líder".